domingo, 6 de agosto de 2017

Lua Branca - a Lua de Fulgores


Entre 1911 e 1912, Chiquinha Gonzaga compôs 13 canções que entrariam no espetáculo "Forrobodó" - descrita em diversos blogs como burleta de costumes cariocas - uma opereta da Companhia de Operetas, Burletas e Revistas do Teatro São José (e da Empresa de Paschoal Segretto), que permaneceu ativa e produtiva de 1911 a 1929. Com texto e produção de Luís Peixoto e Carlos Bittencourt (ou grafados Luiz Peixoto e Carlos Bettencourt, dois jovens jornalistas da classe média alta carioca), Forrobodó estreou no Teatro São José (RJ), em 11 de junho de 1912 e, apesar da perspectiva de fracasso, fez enorme sucesso. Em 1961, a  SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, entidade fundada em 1917, por Chiquinha Gonzaga) publicou o texto de 11 páginas na Revista de Teatro da SBAT, número 322, julho/agosto de 1961, coletânea teatral, caderno n. 73.
Na ficha técnica de Forrobodó:
Texto: Luis Peixoto/Carlos Bittencourt
Música original: Francisca Gonzaga
Direção cênica: Domingos Braga
Maestro da orquestra: José Nunes
Elenco:
Cinira Polônio (Madame Petit Pois)
Alfredo Silva (Guarda Noturno)
Pepa Delgado (Rita, criada)
Cecília Pôrto (Zeferina)
Asdrubal Miranda (Escandanhas)
Franklin de Almeida (maestro Frederico Melodias)
Mattos (Lulú)
Machado (Barradas)
Magalhães (Praxedes)
Pedroso (Sebastião)

Dentre as canções no texto, a intitulada "Pensando em ti", cantada pelos personagens de Siá Zeferina (ou Sá Zeferina) e Escandanhas, tem importância para esta postagem. Encontrei três versões para esta canção (música de Chiquinha Gonzaga e letra de Carlos Bittencourt). Uma delas na já citada revista da SBAT (e no livro de Edinha Diniz, de 1999), outra no site oficial da compositora e outra no livro de Diniz, marcada como "original". Vamos a elas.

1. VERSÃO DA REVISTA DA SBAT (e de Dniz, 1999, descrita como versão posterior)
(Escandanhas): Não sei porquê te amei, Siá Zeferina/Porquê foi que encontrei. Maldita sina!/Esta dor no coração que sinto agora/é loucura da paixão que me devora./Se te encontro, ó, tanajura, eu me enterneço/e da vida as amarguras logo esqueço./Mas se as vez bêbo um bocado, ai, podes crê/é por ser tão desprezado por você!
(Zeferina): Seu cantor da madrugada eu te agradeço./Tanta frase apaixonada não mereço./Mas não posso as aceitá, por Deus que não,/pois conheço a tua má reputação.
(Escandanhas): Não sei porquê te amei, Siá Zeferina!
(Zeferina): Por que foi que te encontrei ali na esquina.
(Escandanhas): Arde em nossos corações chama perene.
(Zeferina): Somos dois, dois lampiões de querosene.

2. VERSÃO DA PÁGINA OFICIAL DE CHIQUINHA GONZAGA
(Escandanhas): Não sei porque te amei, Sá Zeferina/Por que foi que encontrei. na minha sina!/Esta grande sensação que sinto agora/é loucura da paixão que me devora./Tua cor amorenada até parece com o morena da cocada que endoidece/Eu me sinto desgraçado, podes crer/Porque vivo apaixonado por você

3. VERSÃO DESCRITA COMO ORIGINAL NO LIVRO DE EDINHA DINIZ
(Escandanhas): Não sei porque te te amei, Sá Zeferina./Porque foi que te encontrei. Maldita sina!/É tão forte esta paixão/É tão infrente,/que eu pareço um lampião de querosene./Tua cor amorenada até parece com o morena da cocada que endoidece/Eu me sinto desgraçado, ai, podes crer,/porque vivo apaixonado por você.
(Zeferina): Seu cantor da madrugada, você me disse/tanta coisa apaixonada, ai, que tolice./Eu não sei lhe arresponder./Por Deus que não, porque vou comprometer meu coração.
(Escandanhas): Não sei porquê te amei, Sá Zeferina.
(Zeferina): Porque foi que te encontrei ali na esquina.
(Juntos): Queima nossos corações chama perene./Somos pois dois lampiões de querosene.


O que aconteceu depois disso imortalizou esta bela canção.
Acontece que em 1921 o cantor Paraguassu (pseudônimo de Roque Ricciardi, cantor paulista de ascendência italiana) decidiu fazer um arranjo para a obra de Chiquinha Gonzaga e batizar a canção como Lua de Fulgores, gravando-a com acompanhamento do grande Canhoto ao violão (apelido de Américo Jacomino), pelo selo Odeon, sem identificação do autor dos versos (embora, em minha opinião, sejam dele mesmo). Neste período, ele ainda utiliza seu nome verdadeiro, R. Ricciardi, nas gravações pela Odeon (só a partir de 1927 passou a usar o nome Paraguassu). Apesar do título, do que pude apurar pela internet é que foi dada a autoria da canção à Chiquinha Gonzaga (deixo como sugestão a leitura da fonte número 9, uma entrevista de Paraguassu na Revista do Rádio, n. 176, p. 44, de 1953 - embora a canção esteja intitulada Luar de Fulgores). Dizem os versos:

LUA DE FULGORES
                                                      Chiquinha Gonzaga (1911-12)/R. Ricciardi? (1921?)                                                       Gravação: R. Ricciardi, "Paraguassu" e Canhoto (1921)

Oh! Lua cheia, de fulgores e de encanto
Se é verdade que ao amor tu dás abrigo
Vem enxugar nos olhos meus o pranto
Ó, vem matar essa paixão que vai contigo
Ai, por quem és, desce do céu, ó, lua branca
Tira essa mágoa de meu peito, arranca
Dai-me o luar da tua compaixão
Oh! Vem, por Deus, iluminar meu coração
Ai, quantas vezes tu no céu me aparecias
Toda a brilhar em em noite calma, constelada
Ai, quantas vezes tu no céu me aparecias
Toda a brilhar em noite calma, constelada
Ai, quantas vezes tu me surpreendias
Ajoelhado junto aos pés de minha amada
Ó, lua cheia, ai, por quem és, tens dó de mim
Vem a meu lábio, venha ver assim
Dai-me o luar de tua compaixão
Oh! Vem, por Deus, iluminar meu coração
Oh! Lua cheia de fulgores e de encanto
Vem a meu lábio, vem matar essa saudade
Vem enxugar dos olhos meus o pranto
Ó, vem, por Deus, vem matar essa paixão!

Abaixo, a gravação de R. Ricciardi (Paraguassu), de 1921, com acompanhamento de Canhoto ao violão.




 A segunda versão desta canção veio em 1929, com o título de Lua Branca e harmonização do pianista e compositor, João Octaviano. O cantor e artista plástico de ascendência italiana, Gastão Formenti, gravou-a, tornando-a um grande sucesso. O problema veio quando Chiquinha Gonzaga soube que seu nome estava omitido na autoria da música. A isso coube uma denúncia na SBAT, que notificou o caso à gravadora Odeon e aos envolvidos a obrigatoriedade do reconhecimento da autoria de Chiquinha, pois se tratava de plágio. Um mistério cerca os versos desta segunda versão. É que ainda hoje não se sabe quem os escreveu. Foi a gravação de Gastão Formenti que deu notoriedade a esta bela canção. Chiquinha Gonzaga manteve o nome Lua Branca, como a música ficou conhecida. A versão de Gastão Formenti é a seguinte:

LUA BRANCA
                                        Chiquinha Gonzaga (1911-12)/Versos de autor desconhecido
                                        Gravação: Gastão Formenti e J. Octaviano (1929)

Oh! Lua branca de fulgores e de encanto
Se é verdade que o amor tu dás abrigo
Vem tirar dos olhos meus o pranto
Ai, vem matar essa paixão que anda comigo
Ai, por quem és, desce do céu, ó, lua branca
Essa amargura do meu peito, ó, vem, arranca
Dá-me o luar da tua compaixão
Oh! Vem, por Deus, iluminar meu coração
E quantas vezes lá no céu me aparecias
A brilhar em em noite calma e constelada
A tua luz, então, me surpreendia
Ajoelhado junto aos pés da minha amada
E ela a chorar, a soluçar, cheia de dengo
Vinha em meus lábios me ofertar um doce beijo
Ela partiu, me abandonou assim
Oh! Lua branca, por quem és, tem dó de mim

Abaixo, a gravação de Gastão Formenti, em 1929, com acompanhamento ao piano de J. Octaviano.





Em 1930, os atores Pinto Filho e Maria Vidal gravaram a canção como cena cômica, do texto teatral original, Forrobodó.

Em 1970, na gravação de Francisco Petrônio com o grande Dilermando Reis ao violão, há pequenas alterações nos versos. Particularmente, é a versão que acho mais linda.Uma outra versão, com versos livres e originais de Paulo César Pinheiro, foi gravada por Olívia Hime, em 1998, com o título de Serenata para uma Mulher. Bibi Ferreira também gravou esta versão, em 2006 (e ficou linda). Dizem os versos:

SERENATA DE UMA MULHER
                                             Paulo César Pinheiro (1998)
                                            Gravação: Olívia Hime (1998)

De noite, quando a lua acende a chama,
Toda alma de quem ama é sonhadora
E a poesia da modinha se derrama
Pelo olhar de uma mulher que é trovadora
Em meio à solidão de um vento frio
O luar vai rendilhando em chão de prata
E a beleza da modinha enche o vazio
Pela voz de uma mulher em serenata
De ansiedade o coração abre a janela
Que o amor é um sentimento soberano
E a modinha cada vez fica mais bela
Pelas mãos de uma mulher em seu piano
Vem, amor, que a lua cheia é uma rainha
Mas forrou só pra nós dois o chão da rua
Vem depressa, vem ouvir essa modinha
Pelo amor de uma mulher que quer ser tua

Abaixo, a gravação de Olívia Hime, não sei de 1998 ou de 2002 (quando o álbum foi relançado pela gravadora Biscoito Fino, de Olívia Hime), com Francis Hime ao pinao.



Abaixo a gravação de Bibi Ferreira (2006).



Algumas gravações como Lua Branca:
Rosemary, 1970
Verônica Sabino, 1995
Maria Bethânia, 1995
Antônio Adolfo (piano), 1997
Marcus Viana (violino) e Maria Teresa Madeira (piano), 1999
Leila Pinheiro (voz) e Leandro Braga (piano), 1999

Por fim, encerro esta postagem com minha versão preferida. Um beijo e até a próxima.

LUA BRANCA
                                     Chiquinha Gonzaga (1911-12)/Versos de autor desconhecido
                                     Gravação: Francisco Petrônio e Dilermando Reis (1970)

Oh! Lua branca, de fulgores e de encanto
Se é verdade que ao amor tu dás abrigo
Vem tirar dos olhos meus o pranto
Ai, vem matar essa paixão que anda comigo
Ai, por quem és, desce do céu, ó, lua branca
Essa amargura do meu peito, ó, vem, arranca
Dai-me o luar da tua compaixão
Oh! Vem, por Deus, iluminar meu coração
E quantas vezes lá no céu me aparecias
A brilhar em noite calma e constelada
Em tua luz, então, me surpreendia
Ajoelhado junto aos pés da minha amda
E ela a chorar, a soluçar, cheia de pejo
Vinha em seus lábios lhe ofertar um doce beijo
Ela partiu, me abandonou assim
Oh! Lua branca, por quem és, tens dó de mim






FONTES
1. ABREU, SP de; VERZONI, M. Chiquinha Gonzaga e a burleta forrobodó (1912). XXIV Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Música (ANPPOM), São Paulo, 2014. Disponível em <http://www.anppom.com.br/congressos/index.php/24anppom/SaoPaulo2014/paper/view/2695/696>.
2. Forrobodó. SBAT - Rev. de teatro, n. 322, jul/agos, 1961, col. teatral, n. 73). Disponível em <http://www.chiquinhagonzaga.com/musica/revista_de_teatro_forrobodo.pdf>.
3. Acervo Digital Chiquinha Gonzaga. Disponível em <www.chiquinhagonzaga.com/acervo>.
4. LOPES, AH. Um forrobodó da raça e da cultura. Rev. bras. ciências sociais, vol. 21, n. 62, out/2006. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v21n62/a04v2162.pdf>.
5. Chiquinha Gonzaga (página oficial), música e teatro. Disponível em <http://www.chiquinhagonzaga.com/musica/musica_teatro.html>.
6. Chiquinha Gonzaga (página oficial). Acervo de partituras. Disponível em <http://www.chiquinhagonzaga.com/acervo/partituras/forrobodo_peca_completa.pdf>.
7. CHIARADIA, F. Em revista o teatro ligeiro: os "autores-ensaiadores" e o "teatro por sessões" na Companhia do teatro São José. Revista sala preta, núm. 3, 2003. Disponível em <www.periodicos.usp.br/salapreta/article/download/57127/60115>.
8. PARAGUASSU . In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa632676/paraguassu>.
9. Entrevista com Paraguassu - quando o rádio não pagava...era bom! Revista do rádio, 1953. Disponível em <http://memoria.bn.br/pdf/144428/per144428_1953_00176.pdf>.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Primeira postagem: As Pastorinhas

Em entrevista ao jornalista Sérgio Cabral, o próprio João de Barro conta como se desenrolaram os eventos que levaram à consagração desta joia da MPB. Em 1934 Noel Rosa e Braguinha compuseram, no Café Papagaio (que ficava na Rua Gonçalves Dias, Largo da Carioca) a marcha Linda Pequena, gravada por João Petra de Barros, em 08 de dezembro de 1934, na Odeon. A canção ficou guardada na gravadora e foi lançada somente no carnaval de 1936, sem grande sucesso (há especulações sobre a razão da música ter ficado guardada - é possível que a gravadora tenha identificado a canção como mais natalina, reservando-a para o natal do ano seguinte). Após a morte de Noel (em maio de1937), Braguinha decidiu regravar a marcha. Para isso, fez pequenas alterações na letra e mudou o título para Pastorinhas (em algumas publicações aparece com a inclusão do artigo "As"), gravada em 13 de dezembro de 1937, por Silvio Caldas, na Odeon, e lançada num concurso de marchas para o carnaval de 1938 (ler fontes 1, 2, 3, 4). A canção venceu o concurso e estava aí um dos maiores sucessos da música brasileira, mantendo-se até hoje, 80 anos depois, no repertório carnavalesco.

LINDA PEQUENA
                              Noel Rosa/Braguinha (1934)
                              Gravação: João Petra de Barros (1934)

A estrela d'alva no céu desponta
E a lua anda tonta com tamanho esplendor
E as moreninhas, pra consolo da lua,
vão cantando na rua lindos versos de amor

Linda pequena, pequena, que tens a cor morena
Tu não tens pena de mim
que vivo tonto com o teu olhar
Linda criança, tu não me sais da lembrança
Meu coração não se cansa
de sempre e sempre te amar

Abaixo, a gravação de João Petra de Barros, de dezembro de 1934, acompanhado por músicos da Orquestra Odeon.


                           

AS PASTORINHAS
                          Noel Rosa/Braguinha (1934-37)
                          Gravação: Silvio Caldas (1937)

A estrela d'alva no céu desponta
E a lua anda tonta com tamanho esplendor
E as pastorinhas, pra consolo da lua,
vão cantando na rua lindos versos de amor

Linda pastora, morena, da cor de Madalena
Tu não tens pena de mim
que vivo tonto com o teu olhar
Linda criança, tu não me sais da lembrança
Meu coração não se cansa
de sempre e sempre te amar

Abaixo, a gravação de Silvio Caldas, em 1937, acompanhado por Napoleão Tavares e seus Soldados Musicais.


                                        


1. http://www.toque-musicall.com/?cat=1075
2. http://qualdelas.com.br/pastorinhas/
3. http://jornalggn.com.br/blog/lucianohortencio/a-historia-de-pastorinhas-contada-por-joao-de-barro
4. https://books.google.com.br/books?id=aia5DAAAQBAJ&pg=PT62&lpg=PT62&dq=em+entrevista+jo%C3%A3o+de+barro+conta+a+historia+de+as+pastorinhas&source=bl&ots=Hv9hKUss11&sig=lpKKnNq5ZMc9ZXFikK1SOBGBJDM&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwiMiq-w9uHTAhXDKyYKHaNcDsUQ6AEIOTAD#v=onepage&q=em%20entrevista%20jo%C3%A3o%20de%20barro%20conta%20a%20historia%20de%20as%20pastorinhas&f=false 
5.  http://www.ideacaffe.com/cafe/as-cafeterias.html